A psicologia é uma área científica que se ocupa do estudo da mente e do comportamento. Trata-se de uma área ampla, que envolve, entre outros, o desenvolvimento humano, a saúde e o comportamento clínico e social. Existem diversas áreas dentro da psicologia, nomeadamente a psicologia do trabalho, do desporto, da saúde, psicologia clínica e a psicologia criminal.
Neste artigo pretendemos explorar a psicologia clínica, procurando dar resposta a algumas das questões mais frequentes sobre esta temática, nomeadamente em que consiste a área e quais as suas aplicações.
O que é a psicologia clínica?
A psicologia clínica e da saúde é uma especialidade da psicologia que se debruça sobre a promoção do bem-estar e realização pessoal, intervindo em problemas de saúde física, mental e de comportamento de indivíduos, famílias ou grupos, conceptualizando-os de forma compreensiva.
A psicologia clínica é a área de atuação do psicólogo que se vale de métodos e técnicas para desvendar a realidade psíquica e comportamental de um sujeito ou grupo de pessoas. Tem como principal objetivo promover a saúde mental e do bem-estar, seja individual ou coletiva.
A psicologia clínica abrange todo o ciclo de vida do indivíduo e pretende-se transversal em termos culturais e socioeconómicos. Esta área de especialidade abrange perturbações de índole intelectual, emocional, psicológica, social ou comportamental, de ampla variação de intensidade, oscilando desde o desconforto até a perturbações mentais severas.
Os profissionais de psicologia clínica ou seja, os psicólogos clínicos e da saúde, devem compreender a psicopatologia e os processos mentais para poder intervir na perturbação, recorrendo a procedimentos específicos como a avaliação e a intervenção, não descurando a investigação e a supervisão. Os contextos de intervenção desta especialidade são variados.
Quais são os objetivos da psicologia clínica?
Os objetivos gerais de intervenção na área da psicologia clínica são:
- Identificar os determinantes do aparecimento e manutenção dos comportamentos de saúde, de forma a ser possível intervir precocemente em diferentes fases do ciclo de vida, visando a promoção e manutenção da saúde;
- Identificar determinantes psicológicos dos comportamentos de risco para a saúde, para intervir nos processos de mudança comportamental e implementar práticas que contribuam para a prevenção das doenças;
- Facilitar os processos de confronto e adaptação às doenças e aos procedimentos médicos de diagnóstico e tratamento, bem como reduzir o impacto da incapacidade;
- Avaliar e intervir psicologicamente com utentes em sofrimento psicológico ou psicopatológico associado às doenças;
- Contribuir para promover a adesão medicamentosa e aos autocuidados, particularmente nas doenças crónicas;
- Desenvolver métodos psicológicos de avaliação e promoção da qualidade de vida na doença;
- Contribuir para a promoção da qualidade dos processos de informação, literacia e comunicação em saúde, com a finalidade de influenciar a capacitação dos utentes na gestão da saúde e das suas doenças e também a sua satisfação com a qualidade dos serviços de saúde;
- Promover o ajustamento psicológico a acontecimentos de vida, bem como a transição de fases do ciclo de vida individual e familiar;
- Tratar e/ou facilitar a recuperação de utentes com perturbações mentais passíveis de melhoria por intervenção psicológica.
Quais as competências do psicólogo clínico?
Os profissionais de psicologia clínica têm competência científica de aplicação de conceitos, metodologias e técnicas da área clínica e da saúde, nomeadamente no diagnóstico, avaliação psicológica, planeamento, monitorização, intervenção psicológica, consultoria, avaliação da intervenção, conceptualização de caso e investigação.
Algumas das tarefas específicas dos psicólogos clínicos em termos de prática da psicologia clínica incluem:
- O estudo psicológico de indivíduos e elaboração de psicodiagnóstico;
- O estudo psicológico de grupos populacionais determinados, para fins de prevenção e tratamento;
- A participação em programas de educação para a saúde, no domínio específico;
- O aconselhamento psicológico individual, conjugal, familiar ou de grupo;
- A intervenção psicológica e psicoterapia;
- A responsabilidade pela escolha, administração e utilização do equipamento técnico específico da Psicologia;
- A integração em equipas multidisciplinares de serviço de urgência, quando tal se demonstra conveniente;
- A participação em reuniões científicas;
- A participação em ações de formação na área da especialidade e afins;
- A participação em programas de investigação em aspetos relacionados com a sua área profissional;
- A responsabilização por setores ou unidades de serviços;
- A participação em júris de concurso e de avaliação.
Em seguida abordamos algumas das técnicas e competências da psicologia clínica:
1. Diagnóstico e avaliação psicológica
Estas técnicas da psicologia clínica consistem no uso de métodos de avaliação empiricamente validadas, desde entrevista clínica até testes psicométricos, para avaliação e diagnóstico de problemáticas do foro psicológico e/ou emocional.
A avaliação psicológica é um processo de investigação que apoia o psicólogo no que se refere à análise das características psicológicas de uma pessoa, tais como: emoção, afeto, cognição, motivação, personalidade, atenção, memória, perceção, competências pessoais e sociais, entre outros.
Trata-se de um procedimento que integra informações provenientes de diversas técnicas, como testes, baterias, dinâmicas, entrevistas, observações e análise de documentos que auxiliem na confirmação das hipóteses iniciais.
2. Planeamento, monitorização e intervenção psicológica
Após o diagnóstico, o psicólogo clínico realiza uma conceptualização de caso, que funciona como um mapa que orienta o trabalho a ser realizado com o cliente. Na psicologia clínica a conceptualização de caso é um processo no qual se descreve e explica as dificuldades apresentadas pelo cliente, sendo a sua principal função orientar o processo de intervenção.
Exemplo de conceptualização e caso:
História de vida | Era tímido desde a infância; é de camada socioeconómica desfavorecida. |
Dados relevantes da infância e adolescência | Os país separaram-se no início da sua adolescência e, em consequência, os seus padrões de vida baixaram; teve um pai ausente. |
Crenças centrais | “sou incompetente”, “sou inferior”, “sou desagradável” |
Estratégias compensatórias | Procrastinação; evitação de atividades potencialmente geradoras de ansiedade; observação excessiva do seu próprio comportamento |
- Situação #1 – Dirigir-se a alguém para falar sobre assuntos que demandam resposta do seu interesse.
- Pensamentos: “vão achar má a minha ideia, que o meu trabalho está mau, que sou incompetente”
- Significado dos pensamentos: “sou inseguro, só acho que algo está bem se os outros o disserem”
- Emoções envolvidas: ansiedade e nervosismo
- Comportamentos: procrastinação das atividades ao máximo
- Situação #2 – Pedir/aceitar ajuda (pedir um favor a um amigo, por exemplo)
- Pensamentos: “não gostar que eu incomode, tenho medo do julgamento dos outros”
- Significado dos pensamentos: acho-me inferior, sou inseguro e incompetente”
- Emoções envolvidas: ansiedade e vergonha
- Comportamentos: procrastinação da atividade
- Situação #3 – Parar o fluxo de carros para estacionar
- Pensamentos: “eu não quero stressar os outros”
- Significado dos pensamentos: “tenho medo dos outros, tenho medo de não saber como agir”
- Emoções envolvidas: ansiedade e nervosismo
- Comportamentos: não estacionar se estiver um carro atrás
- Situação #4 – Iniciar ou finalizar diálogos
- Pensamentos: “eu não quero cumprimentar, a pessoa não se vai lembrar de mim, vou ser desagradável”
- Significado dos pensamentos: “posso ser desagradável”
- Emoções envolvidas: ansiedade
- Comportamentos: se possível não cumprimentar
Após a conceptualização de caso, o psicológico conjuntamente com o cliente planeia o processo de intervenção, definindo conjuntamente objetivos terapêuticos. Posteriormente inicia-se a intervenção psicológica propriamente dita, implementada através de técnicas e metodologias empiricamente validadas.
O psicólogo realiza uma monitorização ao longo de todo o processo, de forma a verificar se existem evoluções, se os objetivos terapêuticos estão a ser concretizados e se é necessário introduzir mudanças no processo terapêutico.
3. Avaliação da intervenção
O psicólogo clínico avalia a intervenção psicológica realizada, quer a nível individual quer no que diz respeito a intervenções / programas de intervenção coletiva e em grupo. A avaliação da intervenção avalia até que ponto a avaliação produziu os efeitos desejados, qual o impacto da intervenção, limitações, etc. Esta avaliação é o que irá permitir o ajustamento e melhoria contínua, auxiliando no planeamento de futuras intervenções.
4. Psicologia clínica e a consultoria
O psicólogo clínico também pode realizar consultoria, por exemplo em empresas, escolas, lares ou outras organizações. Nesta consultoria o psicólogo usa os seus conhecimentos científicos para analisar e detetar necessidades e, mediante estas necessidades, propor soluções adequadas para os trabalhadores, utentes, alunos e comunidade escolar… O psicólogo pode desenvolver trabalho de orientação com outros profissionais e equipas, refletindo e assessorando sobre formas de enfrentar, minimizar, intervir ou prevenir determinadas problemáticas ao nível da saúde mental.
Frequentemente o psicólogo faz consultoria às equipas de saúde em relação a um utente e/ou a propósito de padrões de avaliação de utentes e implementação de métodos facilitadores da informação sobre saúde e de melhoria da adesão comportamental e medicamentosa.
5. Investigação
A investigação em psicologia clínica e da saúde coloca questões de investigação que se debruçam sobre problemas, populações e contextos no âmbito da saúde psicológica. Pela aplicação do método científico, são realizados estudos de investigação em problemáticas diversas, tais como eficácia de diferentes tipos de intervenção em determinadas problemáticas; estudo de psicopatologias específicas; variáveis que interferem no bem-estar e saúde mental das populações; etc.
Em que contextos se aplica a psicologia clínica?
As intervenções ao nível da psicologia clínica tanto podem ocorrer a nível individual, grupal, social ou institucional e podem ter uma perspetiva preventiva ou interventiva.
A atuação em psicologia clínica visa contribuir para a promoção de mudanças e transformações visando o benefício de indivíduos, grupos, situações, bem como a prevenção de dificuldades. A psicologia clínica passa ainda pela atuação no estudo, diagnóstico e prognóstico em situações de crise, em problemas de desenvolvimento ou em quadros psicopatológicos.
Alguns dos principais contextos de atuação dos psicólogos clínicos são:
- Consultórios privados;
- Clínicas;
- Hospitais;
- Cuidados de saúde primários;
- Organizações Não-Governamentais;
- Autarquias (câmaras, juntas de freguesia);
- Instituições educativas;
- Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSSs);
- Centros de reabilitação;
- Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM);
- Instituto Nacional de Medicina Legal;
- Prisões;
- Instituições de ensino superior.
A atuação do psicólogo clínico nestes contextos é variada. Em contexto hospitalar o psicólogo clínico pode intervir em situações de crise psicológica (ataques de pânico, surto psicótico, intenção suicida…), intervir por forma a promover a adesão terapêutica dos pacientes, participando em reuniões de equipa multidisciplinar e dando consultoria e apoio aos profissionais de saúde, entre outras.
O psicólogo em contexto hospitalar pode intervir em problemáticas que não são do foro mental, tais como: cuidados paliativos, doença oncológica, sexologia, desabituação tabágica, ginecologia-obstetrícia, doença crónica, pediatria… O objetivo é ajudar o utente a adaptar-se à doença, a gerir as emoções associadas ao diagnóstico, e a promover uma maior adesão ao tratamento, bem como ativar a rede de suporte social e familiar. Pode existir também acompanhamento em situações de gravidez, parto e puerpério, contribuindo para a integração das vivências emocionais e corporais da mulher.
O psicólogo clínico pode também intervir a nível do internamento, em situações como: utentes com internamento prolongado; utentes com patologia crónica inaugural, baixa adesão ou incumprimento do plano terapêutico, doença terminal ou com impacto funcional importante; familiares e cuidadores, em situações de disfuncionalidade familiar e maus-tratos; utentes com doença psiquiátrica ou pedopsiquiátrica.
No que diz respeito a quadros psicopatológicos em contexto hospitalar, o psicólogo clínico pode fazer intervenção individual e em grupo.
O psicólogo clínico tem um papel muito importante na prevenção, orientação e intervenção em questões relacionadas com fases de desenvolvimento, tais como a adolescência, o envelhecimento, entre outros.
Nos cuidados de saúde primários o psicólogo pode organizar grupos específicos e implementar programas de prevenção de doenças ou programas dirigidos a doentes com problemas de saúde específicos já instalados, procurando evitar o seu agravamento e contribuir para o bem-estar psicológico.
O psicólogo clínico acompanha ainda programas de investigação e desenvolvimento de políticas de saúde mental, participando na sua elaboração, coordenação, implementação e supervisão.
A psicologia clínica é uma especialidade médica?
A psicologia clínica e da saúde não é uma especialidade médica, mas é uma área da saúde, tal como a fisioterapia ou outras. É uma especialidade inserida no serviço nacional de saúde e reconhecida e regulamentada a nível científico.
Os estudos científicos comprovam a eficácia das intervenções psicológicas em diversas problemáticas, para além de serem efetivas em termos de custo/benefício.
A psicologia clínica contribui ainda para promover a saúde geral das populações e promover um maior conhecimento das pessoas sobre a saúde e prevenção da doença. Os benefícios de intervenções psicológicas são complementares a tratamentos médicos e/ou farmacológicos, favorecendo a adaptação e a adesão aos tratamentos e terapêuticas.
O que é necessário para ser psicólogo clínico?
Para trabalhar em psicologia clínica primeiramente é necessária uma formação base em psicologia (formação académica mínima de 5 anos – licenciatura pré-bolonha ou licenciatura e mestrado pós-bolonha), bem como realizar um estágio profissional reconhecido pela Ordem dos Psicólogos Portugueses, correspondente a um ano de prática supervisionada.
Posteriormente, o psicólogo adquire experiência ao nível da prática profissional, formação contínua e supervisão na área de psicologia clínica, cumprindo os requisitos necessários à atribuição do Título de Especialista definidos pela Comissão Instaladora e pelo Conselho de Especialidade de Psicologia Clínica e da Saúde da Ordem dos Psicólogos Portugueses.
Como encontrar um psicólogo clínico?
Como vimos anteriormente, os contextos de atuação da psicologia clínica são muito diversos. Assim, pode procurar um psicólogo clínico quer no âmbito do Sistema Nacional de Saúde (SNS), recorrendo aos Cuidados de Saúde Primários ou ao contexto hospitalar.
Por vezes o médico assistente (médico de família) pode ser um primeiro contacto importante, ao qual pode pedir a referenciação / encaminhamento para um psicólogo clínico. Pode ainda recorrer a um profissional no âmbito privado, elegendo aquele que preferir, devendo ter em conta as suas áreas de atuação, analisando o seu currículo e verificando se se identifica com a metodologia de trabalho.
Esperamos que o presente artigo tenha sido útil e lhe tenha permitido perceber um pouco melhor do que se trata a psicologia clínica e quais as suas áreas de intervenção!